Rio -  Às vésperas do Carnaval, o mais popular sambista do Brasil está triste. A um dia de completar 54 anos, Zeca Pagodinho ainda não consegue sorrir, devido às enchentes que deixaram centenas de vizinhos desabrigados e um morto, há exatamente um mês, em Xerém, distrito de Duque de Caxias.
O cantor e compositor recebeu O DIA para uma entrevista exclusiva em sua chácara, onde as marcas das chuvas ainda estão por todos os lados, e mostrou um lado desconhecido da maioria dos brasileiros. Em vez de um Zeca boêmio e brincalhão, um cidadão consciente e indignado, comandando faxina por todos os lados e sem copo de cerveja na mão.
Zeca Pagodinho pediu para posar para foto junto com parentes e vizinhos que têm ajudado as vítimas das enchentes que atingiram Duque de Caxias | Foto: João Laet / Agência O Dia
Zeca Pagodinho pediu para posar para foto junto com parentes e vizinhos que têm ajudado as vítimas das enchentes que atingiram Duque de Caxias | Foto: João Laet / Agência O Dia
Flagrado há um mês por equipes de TV socorrendo vizinhos, Zeca recebeu muito apoio e algumas críticas. Houve quem dissesse que o cantor queria aparecer. As insinuações ainda machucam o peito do sambista, tatuado com uma imagem de São Cosme e São Damião.
“Se for fazendo o bem, quero aparecer sempre. Eu nunca apareci foi roubando ninguém, nem envolvido com corrupção”, disparou. “O povo me conhece, sabe de quem estou falando”, emendou.

Chateado, Zeca não quis dar nome aos bois, pois não conseguiria lembrar de todos, e preferiu exaltar a solidariedade dos cidadãos não apenas da Baixada Fluminense, mas de todo o Brasil.
“Me mandaram de São Paulo purificadores que tornam a água potável depois de um minuto e meio. Isso é gente decente. Fico feliz porque para cada dez que abrem a boca para falar merda, há 1 milhão que quer fazer o bem”, prosseguiu, irritado.
O incomum mau humor de Zeca não era jogo de cena. Nesta segunda, dia de seu aniversário, a tradicional festança que reúne artistas e figuras anônimas foi cancelada. Não há clima para pagode.
“Vou ficar devagar. Não tem como ser de outro jeito. Estou aqui ajudando os outros. Trabalhador trabalha, vagabundo fica com a bunda sentada na poltrona escrevendo merda na Internet. Quem falou de mim está puto porque nunca fez nada e eu fui lá e fiz. Aliás, fiz, não. Faço. Há 20 anos”, completou o cantor, que ao lado de casa possui uma escolinha de música para os moradores da área.
‘O povo tem que se mobilizar para que isso não aconteça nunca mais’
Há dez dias, O DIA procurou Zeca Pagodinho para uma entrevista sobre Xerém e a ausência do poder público nas áreas carentes, mas o cantor pediu, através de sua assessoria de imprensa, para ficar quieto. Estava chateado com certas críticas e não queria entrar em debates políticos. Mudou de ideia.
“Ah, meu irmão, sabe de uma coisa? Tenho que falar mesmo. Não quero nem saber se vão ou não gostar. Mas a população também tem que cobrar. Muito. A força está na mão do povo. E o povo tem que se mobilizar para que isso não aconteça nunca mais. Não é apenas o artista que tem que cobrar”, diz.
Feliz pela solidariedade que despertou nos fãs, que enviaram donativos para a sua casa numa quantidade capaz de amenizar as perdas de dezenas de famílias por pelo menos mais um mês, Zeca espera que a prefeitura de Duque de Caxias cumpra o que prometeu.
“Não sou eu o responsável por isso, nem posso assentar todo mundo que ficou desabrigado. Isto cabe aos governantes. Tenho andado pelas ruas e ouvido que vão desapropriar terrenos e resolver o problema. Tomara. Chega de apenas promessas”, disse Zeca.
O DIA entrou em contato com o prefeito Alexandre Cardoso, que não retornou as ligações.